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O inimigo público

 

O embaixador Pedro Catarino, com a decisão discricionária de enviar o orçamento da Região para fiscalização preventiva do Tribunal Constitucional, transformou-se no inimigo público dos poderes regionais autónomos.

Nunca um inquilino do Solar da Madre de Deus tinha ousado ir tão longe no exercício dos seus poderes estatutários.

O embaixador correu esse risco, contrariando até os argumentos do Presidente da República, ao aprovar o OE para este ano.

A República já escolheu diversas personalidades para fazer representar o seu poder nos Açores. Uns mais abertos e lúcidos, entenderam as razões das conquistas autonómicas e procederam em conformidade com a vontade política dos açorianos, defendendo-a junto do poder central. Outros perfilando a  defesa do estado unitário, ao jeito colonial, entenderam a autonomia regional como um administração distrital mais ampla, dependente dos normativos do Terreiro do Paço.

Para estes, em que incluo Pedro Catarino, a constituição é uma lei que afirma sobretudo a soberania e a unidade em prejuízo dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.

Esta conceção centralista e colonial do Estado está bem patente na mensagem que o Representante da República (RR) dirigiu aos açorianos, quando aponta a educação e o ensino como setores programáticos dos poderes regionais eleitos. Como se lhe competisse essa orientação.

Caricata e infantil foi a proposta da criação de uma lotaria destinada a apoiar instituições do ensino pré-escolar, excedendo as suas competências estatutárias e intrometendo-se numa área que não é sua.

Competia-lhe, isso sim, explicar os motivos da decisão de enviar para fiscalização preventiva o orçamento regional, deixando a Região a funcionar em duodécimos, mas não teve a sensatez de o fazer. Ao duvidar da constitucionalidade da remuneração complementar contraria a “democracia de qualidade” que reconhece existir nos Açores e os “enormes sacrifícios” com que “a população já foi castigada”. As normas que visam atenuar esses efeitos junto da trabalhadores da administração regional, ou o chamado “cheque pequenino” para os pensionistas, só tem esse objetivo.

Como não o entende o embaixador?

A visão centralista e colonial do RR, à boa maneira da mentalidade salazarenta, reflete-se também na defesa que faz da “coesão social, territorial, nacional” como “mais-valia determinante para enfrentar os desafios”.

Significa isto que o embaixador Catarino considera que a autonomia não deve ser “a solução portuguesa e europeia para os problemas açorianos”, como bastas vezes foi definida. Antes, os açorianos devem reger-se pelos governantes lisboetas e seus representantes, submetendo-se aos princípios da  “unidade e solidariedade”...

Esse tempo, passou, sr. embaixador.

Os açorianos, se inicialmente olharam com alguma perplexidade para as conquistas autonómicas, foi sobretudo por não saberem se ficavam assegurados direitos, liberdades e garantias, a repartição do poder pelas ilhas de forma equilibrada e o pleno exercício da democracia.

Passados quase quarenta anos, nenhum açoriano abdica das conquistas autonómicas e quem pretende beliscar, pouco que seja direitos adquiridos, ameaça, esse sim!, a unidade do estado e contribui para a criação de um sentimento anti-nacional que já se havia desvanecido.

A postura unânime dos representantes eleitos ao Parlamento Regional contra a decisão do RR, é um fato político relevante, pese embora as naturais divergências sobre a remuneração complementar. Pedro Catarino, com a mais que certa anuência de Cavaco Silva também ele comprovado anti-autonomista, congregou contra si os partidos da esquerda à direita, o que raramente acontece em democracia.

“Vigiar o cumprimento da Constituição” (art.º42 Est.RAA) deve ser sobretudo defender o direito à diferença dos cidadãos destas ilhas, face às dificuldades impostas pela insularidade e pela periferia, traduzidas no baixo poder de compra, nas dificuldades e mais elevados custos da saúde, dos transportes, do ensino, do emprego e das empresas.

“Vigiar o cumprimento da constituição” é cuidar de que nos estabelecimentos prisionais os reclusos não passem frio por falta de cobertores (!); é zelar pelo património do estado que se degrada a olhos vistos, quando podia ser utilizado por instituições regionais; é intervir no Terreiro do Paço, para que não faltem meios à PSP para cumprir a sua missão, “obrigando” o Governo da Região a substituir-se à República cedendo-lhe equipamentos de transporte; é cuidar do financiamento da Universidade dos Açores para poder fazer ciência e educar os jovens...; é intervir junto das instâncias competentes para que os EUA não olhem para Açores como e quando bem entendem, segundo as suas conveniências, sem olhar a prejuízos económicos decorrentes da desativação da Base militar...

De um representante da República exige-se que seja parceiro em defesa dos Açores e não um inimigo da Região.

Se assim continuar, o melhor, senhor embaixador, é rumar a Lisboa ou optar por outra missão num país estrangeiro que (ainda) não somos.

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